Marla de Queiroz

Pudesse denunciar tua renúncia ao amor, cobrar rescisão de contrato, processar o rompimento deste pacto, multar tuas falsas juras, encerrar tua conta afetiva...
Mas nunca fomos profissionais do afeto.

Marla de Queiroz


Mia Couto

“Não são os grandes traumas que fabricam a grande maldade. São, sim, as miúdas arrelias do quotidiano, esse silencioso pilão que vai esmoendo a esperança, grão a grão.”

Mia Couto


Marla de Queiroz

“ Não nasci para ser adequada, coerente, adorável. Nasci para ser gente. Para sentir de verdade. Tenho vocação para transparências e não preciso ser interessante o tempo todo. Por isso, não espere que eu supere as suas expectativas: às vezes, nem eu supero as minhas.

Marla de Queiroz


Marla de Queiroz

Meu corpo explícito e minhas pernas convictamente afastadas contemplam seus olhos. Tua pupila arde e já não sei mais o que, nelas, é o reflexo das minhas cores. Meus poros te apreendem tão profundamente que absorvo cada desenho da tua íris. Teu olhar verseja minha luxúria e inquietação, mas permanece quieto, calado, adiando a concessão apesar das minhas súplicas convulsivas. Meu corpo esparramado respinga em tuas retinas. Você me recolhe num sorriso sacana, maiúsculo. Meus seios adjetivam minha espera impaciente, mas o castanho dos teus olhos permanece duro, firme, intacto. Meus olhos falam de amor para os teus. Eles se abraçam amolecidos, mas sem quaisquer movimentos do seu corpo ao meu encontro: apenas teus olhos penetram em mim com a fundura sensual e impiedosa.
Meu corpo extremo contempla teu rosto. Tua expressão cede aos meus anseios e acompanha a dança da minha pélvis umedecida, ainda vazia de ti. Meu apetite devora tua boca subitamente. Seus olhos se fecham pra mergulhar em mim.

Marla de Queiroz






Lya Luft

"A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. 
Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir criar uma pequena ilha de contemplação, de auto contemplação, de onde pudéssemos ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. 
Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. 
Não importando nada." 

Lya Luft


Mia Couto

"Quero um beijo, pediu ela.
Um sismo
abalou o peito dele.
E devotou o calor
de lava dos seus lábios,
entontecida água na cascata.

Entusiasmado,
ele se preparou para, de novo,
duplicar o corpo e regressar à vertigem do beijo.

Mas ela o fez parar.

Só queria um beijo.
Um único beijo para chorar.

Há anos que não pranteava.
E a sua alma se convertia
em areia do deserto.

Encantada,
ela no dedo recolheu a lágrima.
E se repetiu o gesto
com que Deus criou o Oceano."

Mia Couto 



José Saramago

"É tão fundo o silêncio entre as estrelas.
Nem o som da palavra se propaga,
Nem o canto das aves milagrosas.
Mas lá, entre as estrelas, onde somos
Um astro recriado, é que se ouve
O íntimo rumor que abre as rosas."

 José Saramago 



Florbela Espanca

Li um dia, não sei onde, 
Que em todos os namorados 
Uns amam muito, e os outros 
Contentam-se em ser amados.

Florbela Espanca


Sobre Adicionar e Remover



Tenho tentado não agir por impulso. E vejo com clareza, após pensar, repensar e estudar os vários ângulos possíveis de uma situação, o que devo remover e acrescentar na minha vida. Infelizmente, isto também inclui pessoas. E pessoas que, em determinado momento, tiveram uma importância primordial na minha existência. Mas eu mudei, elas mudaram. E não foram apenas as idiossincrasias que nos afastaram, mas simplesmente, ter valores que não se casavam mais, desconfortos maiores que alegrias, disputas estéreis, uma necessidade insaciável de despertar emoções negativas, e um vácuo enorme onde havia abraço. Onde havia amor (?).
Não foi fácil, mas tenho me sentido mais coerente com as coisas que me propus a viver. Com as coisas que eu tenho para dar e derramar. Com o espaço que abro para o tipo de relações de trocas reais, de afetos sinceros, de atitudes maduras, de comportamentos honestos. Não quero amar apenas quem é amorável, quero amar por causa e apesar de. E eu brindo o que é recíproco mesmo que não seja idílico. Tenho plena consciência de que na diferença que o Outro me traz é que aprendo, mas que venha com transparência. Eu prezo pessoas de verdade, estas me são caras. Os fakes eu respeito e deixo que sigam. Não há problema nenhum em nada e ninguém, desde que eu saiba que sobre a minha vida, a mim me cabem as escolhas. E eu dou o meu melhor e mereço receber o melhor também.
E todo este meu trabalho interno poderia ser resumido assim:
Eu quero crescer para mim.

Marla de Queiroz






Lao-Tsé

A bondade em palavras cria confiança; a bondade em pensamento cria profundidade; a bondade em dádiva cria amor.

Lao-Tsé


Laços

O que nos une na vida são os vínculos.
O afeto. Os laços ternos. O Amor na prática.
O que realmente importa são as pessoas.
Estar com elas. Sentirmo-nos amados, queridos. 
Gostar, desejar, amar. Estes sentimentos nos
fazem olhar a vida com a certeza de que vale
a pena vivê-la. A rede de pessoas que circula
no nosso cotidiano, as amizades, cada uma
com sua singularidade, movendo-se com
plasticidade e beleza. O mistério da viagem.
Umas que chegam e trazem alegria. Outras se vão
e deixam tristeza. A lembrança das que foram
levadas pela fatalidade, tempo ou doença.
Umas se despedindo. Outras sem aviso e sem
sequer dando adeus. E seguimos em frente,
enraizados na terra, contemplando o céu, sentindo
o vento e as lágrimas da saudade. Descobrindo o
amor, que se assemelha ao sol com sua luz e calor
que aquece e doa. Que acalenta e nos ensina a
ampliar as portas e janelas de nossos corações
que, surpreendentemente, vão se ampliando,
dilatando, até permitir que caiba o mundo dentro
de si.

Jayme Panerai Alves




Mia Couto

"Não há pior cegueira que a de não ver o tempo. E nós já não temos lembrança senão daquilo que os outros nos fazem recordar. Quem hoje passeia a nossa memória pela mão são exatamente aqueles que, ontem, nos conduziram à cegueira."

 Mia Couto 




Ruínas


Se é sempre Outono o rir das primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair...
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruínas crescer heras.
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino de Quimeras!

Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais altos do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!... Deixa-os tombar... deixa-os tombar...

Florbela Espanca


Quando Vier a Primavera


Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é. 

Alberto Caeiro

(Poemas Inconjuntos, heteronimo de Fernando Pessoa)






Florbela Espanca

Há uma primavera em cada vida: é preciso cantá-la assim florida, pois se Deus nos deu voz, foi para cantar! E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada que seja a minha noite uma alvorada, que me saiba perder...para me encontrar....

Florbela Espanca




Minha Primavera

Hoje começa a primavera e que ela seja bem vinda.Que nos traga dias floridos,esperanças renovadas,doces ventos de paz,amor que nos eleva,harmonia que nos suaviza,o grande amor de nossas vidas,fé incondicional no futuro e muita energia para passar pelas adversidades com sorriso nos lábios e cabeça erguida.Que os bons ventos nos traga boas notícias,felicidade e boas energias.E que venha essa doce primavera!

Lygia Cavalcanti 



Marla de Queiroz

Não tenho a menor pretensão de ser uma pessoa excêntrica. Mas tenho plena consciência de que, apesar de ter uma vida normal, nunca serei uma pessoa comum. O que me faz constatar isto é o meu olhar e a minha mente aberta. Não tenho medo de me expor, não tenho a menor curiosidade em saber o que pensam sobre as minhas atitudes. Recebo críticas e elogios com a mesma naturalidade. Digo não e sim sem a menor culpa. Minha maior ambição é espiritual. Minha melhor companhia sou eu: me presenteio com momentos maravilhosos, com coisas que realmente me dão alegria. Eu preservo amigos reais, virtuais, mas verdadeiros. Eu procuro me surpreender comigo mesma o tempo todo: mudando de ideia, de escolha, de parceria, de tema, de capítulos, de sujeitos. Quando me relaciono, fico absolutamente inteira no lugar que escolhi. Eu vivo a entrega. Às vezes faço uma má escolha, por outras vivo histórias absurdamente bonitas. E não aceito ser posta em segundo plano porque eu me coloco em primeiro: faço por merecer. Pode parecer arrogante me posicionar desta forma, mas eu prezo pela sinceridade. Sou tão intensa que me desgasto emocionalmente com facilidade. Por isso, hoje, quando começo a sentir raiva, me dá preguiça. Por escrever, habito no imaginário erótico de homens e mulheres. Mas eu não sou sedutora nem presa, sou predadora.

Marla de Queiroz



Marla de Queiroz

...Tive um despertar tão intenso de lucidez, que um véu se rasgara diante dos meus olhos e tudo parecia claro, mas não calmo. Foi uma morte, agora entendo. Morri para quem eu achava que era. Senti o exato instante da transformação das coisas. E como foi difícil dizer adeus, mas como foi simples me desapegar. Certas situações e pessoas, simplesmente, deixaram de fazer sentido neste ciclo novo. É como se eu ascendesse para o que há de mais primitivo. E sofisticasse esse instinto... 

Marla de Queiroz


Cecilia Meireles

"Ribeira da minha vida
por onde agora andarão
meus barcos de ausência e bruma,
com sua tripulação!


Pergunto se estão de volta,
pergunto se ainda se vão.
Ribeira dos meus cuidados,
minha voz é solidão.

Ribeira da minha vida,
por que sinto o coração
morrer-me nestas areias
de antiga recordação?

Hei de ser o mar e o vento,
e a noite, e a constelação,
- ribeira dos meus cuidados! -
e a própria navegação.

Ribeira da minha vida,
hei de mudar de aflição:
não mais despedida ou espera,
mas naufrágio ou salvação."

 Cecilia Meireles 




De New York a Manaus via Belém nas asas emprestada do dragão de São Jorge uma pausa para um tacacá


No meio dos meus devaneios insanos,ouvindo "I say a little prayer",descubro que não estava sozinha na minha loucura.Sabe como são os loucos,basta outro louco bater na sua porta,para a gente sair correndo ou vira um caso de amor.Felizmente posso dizer que da loucura,surgiu uma amizade sólida e sincera,um caso de amor.
Ainda me lembro do dia que coloquei no meu mural do facebook um vídeo de Aretha Franklin,cantando a dita música.Era um dia de domingo,estava mergulhada em uma dor de cotovelo de dá dó ao mais frio dos mortais,tinha a sensação de que o mundo despencava em minha cabeça e que se eu morresse naquele dia seria um alívio para não mais sentir aquela coisa ruim que machucava meu coração e consumia minha alma.
Resolvi eu mesma fazer um comentário:"Quando escuto essa música me transporto para New York,me vejo caminhando no Central Park numa manhã fria de outono novaiorquino."Sim,sou apaixonada pelo outono,é minha estação do ano preferida,tão melancolica quanto eu.
Em nunhum momento imaginei que alguém pudesse comentar o meu comentário,as vezes escrevo para mim mesma.Mas me surge alguém que pensava igual a mim,que tinha a mesma sensação ao ouvir a tal música,que se transportava assim como eu.A princípio pensei:Mais uma doida sonhadora com a mente muito imaginativa,igualzinha a minha.Pode acreditar que isso me emocionou.Eu não estava sozinha nos meus devaneios,existia alguém na face da terra que pensava como eu,que sonhava como eu,que dividia comigo o mesmo desejo.
Nossa amizade foi crescendo à partir naquele momento.Afinal tinha encontrado alguém com quem podia dividir meus sonhos e minha dor.Alguém que nada me cobrava e me aceitava do jeito que eu era.E fomos descobrindo afinidades e nos reconhecendo uma na outra.
Ainda me recordo do dia que resolvi escutar a música "SE" e mais uma vez publiquei no meu mural,só que dessa vez escrevi em cima do vídeo um pedido para São Jorge:"Estou precisando com urgência do seu dragão emprestado".Mais uma vez,minha alma gêmea deu o ar de sua graça e comentou no meio de uma gargalhada:"Só você mesmo para pedir o dragão de São Jorge emprestado".Descobrimos mais uma vez que ambas gostavamos da mesma música,a gente curtia Dejavaniar por ai e viajar nas asas,eu na do dragão citado na canção e ela nas asas de minha imaginação.
Passamos a nos falar sempre, e ela sabia quando eu estava triste,contente,feliz,desesperada,pelas minhas publicações no meu mural .Com ela aprendi que o nome da comida que deixava a boca dormente era um "Tacacá" e aprendi que o jambú é que provocava essa sensação de dormencia.Sempre quis saber como era sentir a boca dormente,mas o queria mesmo era que essa iguaria deixasse dormente minha cabeça,para que eu ficasse anestesiada das dores da vida.
Hoje,entre a canção da Aretha que nos aproximou,o "SE" que nos faz Dijavaniar por ai e tendo o dragão de São Jorge cuspindo jambú,me sinto agradecida ao universo por ter me enviado essa alma linda,que muito minhas lágrimas secou,com beijos doce de irmã presente e amorosa,num afã que só as almas limpas ,puras e generosas são capazes de possuir.
Obrigado Kátia Noronha!

Lygia cavalcanti




Miguel Torga

Passo a noite a sonhar o amanhecer.
Sou a ave da esperança.
Pássaro triste que na luz do sol
Aquece as alegrias do futuro,
O tempo que há-de vir sem este muro
De silêncio e negrura
A cercá-lo de medo e de espessura
Maciça e tumular;
O tempo que há-de vir - esse desejo
Com asas, primavera e liberdade;
Tempo que ninguém há-de
Corromper
Com palavras de amor, que são a morte
Antes de se morrer."

Miguel Torga 



Mia Couto

"Que caia um muitão de chuva, até chover dentro de mim, pingar-me os tectos da cabeça, me aguar o coração e eu sentir que Deus me está lavando das poeiras que a vida me sujou."

Mia Couto 




Florbela Espanca

"Se me ponho a cismar em outras eras
em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!"

Florbela Espanca 



Marla de Queiroz

Finda mais um dia. Página escrita. Cada parágrafo foi vivenciado intensamente, um derramamento de sentimentos que só me permitiram produzir, refletir, crescer. Finda um problema, uma pendência, as tarefas que precisavam ser cumpridas hoje.Fico com o aroma de cada momento e me deixo ser embalada pela melodia doce da noite invernal. Finda uma necessidade, nasce uma querência nova. O poema aberto, próxima página, a ideia repentina, o amigo novo. Transitei pela hostilidade, pela delicadeza, pelo abraço demorado, pelo "bom dia" ignorado, pelo sorriso retribuído, pelos afagos. E a vida me melhora sempre com suas infindáveis possibilidades.
Tão bom poder escrever os próprios capítulos e, ainda assim, ser surpreendida por eles. A vida é este fascínio, estas paisagens vivas, estas janelas abertas e este peito escancarado.

Marla de Queiroz 




Marla de Queiroz

Cada um fez o que pôde diante do que sentia, por isso desaprendi aquele apego que eu tinha a nossa história, à importância da tua companhia. Tuas coisas eu não sei se deixo naquele endereço ou te devolvo pessoalmente e peço ainda o reembolso, um último abraço (para que a gente se espalhe, se expanda até que a distância seja suportável, até que nem isso, que nem se pense em nada mais). Só tenho achado que você anda calado e tristonho, só tenho achado que às vezes fico calada e tristonha, (não é saudade é uma mania que eu tenho de recordar o que foi bom). Hesito em devolver as tuas coisas pra não ter que me despedir do teu olhar novamente, (logo agora que eu quase já nem lembro mais do nosso último beijo na praia, “só mais um” combinamos, “só mais uma vez”) e voltei pra casa impregnada de sal, areia e despedidas...
Um último abraço, quem sabe, e eu devolvo o que ficou de ti, aqui.

E você me reembolse essa distância com uma última poesia. 
Ou com algo mais forte que esgote definitivamente esse adeus.

Marla de Queiroz






Adélia Prado

“Me escondo no porão
para melhor aproveitar o dia
e seu plantel de cigarras.
Entrei aqui para rezar,
agradecer a Deus este conforto gigante.
Meu corpo velho descansa regalado,
tenho sono e posso dormir,
Tendo comido e bebido sem pagar.
O dia lá fora é quente,
a água na bilha é fresca,
acredito que sugestionamos elétrons.
Eu só quero saber do microcosmo,
O de tanta realidade que nem há.
Na partícula visível de poeira
Em onda invisível dança a luz.
Ao cheiro de café minhas narinas vibram,
Alguém vai me chamar.
Responderei amorosa,
Refeita de sono bom.
Fora que alguém me ama,
Eu nada sei de mim.”

Adélia Prado 




Marla de Queiroz

Deitado ao meu lado, seus dedos deslizaram pelas minhas costas
abrindo fendas e poros, tecendo caminhos, amanhecendo desejos.
Afastou meus cabelos da nuca pra roçar o seu queixo.
Eu sentia a sua respiração no meu ouvido, seu sopro de vida entrando em mim.

Desajuizada e mansa, deixei que com um movimento de braço
levasse meu corpo inclinado pra dentro da concha do corpo dele.
Naquele encaixe, com o nosso melhor calor, ficamos ali,
desabotoando fomes, desamarrando sentimentos.
Meu coração estava na boca
pro beijo.

Ele não me acordou.
Ele entrou no meu sonho.

Marla de Queiroz







Marla de Queiroz

E essa saudade que eu sinto é só uma sensação desanimada, uma coisa inanimada, um jeito meio imbecil de ficar no passado olhando as páginas amarelecidas do diário da viagem perdida. E ainda, aquela insistência em olhar as fotos, porque havia uma alegria congelada nelas, mas ficou vazio o porta-retrato. Essa saudade que eu sinto às vezes é oca, não tem você dentro dela, é uma fantasia, uma vontade inútil de esquecer que fui tão louca ou feliz um dia. Essa saudade é alguma emoção malcriada, tudo que eu não queria reviver neste dia vadio. Esta saudade que me ocorreu não é tristeza, melancolia, desejo, vontade. Essa saudade não tem voz, não mareja os olhos, não me impulsiona a fazer nada.

Marla de Queiroz


Marla de Queiroz

Perdoa se te transformei no amor da minha vida, eu deveria ter deixado que você se tornasse por mérito próprio.

Marla de Queiroz 



Mia Couto

"Aproxima o teu coração
e inclina o teu sangue
para que eu recolha
os teus inacessíveis frutos
para que prove da tua água
e repouse na tua fronte
Debruça o teu rosto
sobre a terra sem vestígio
prepara o teu ventre
para a anunciada visita
até que nos lábios umedeça
a primeira palavra do teu corpo".

Mia Couto 


Marla de Queiroz


"Quem quer sair de uma história, cala-se e vai embora.
Porque as grandes dores são mudas.
E decisões definitivas não se demoram em explicações."

Marla de Queiroz



Fui sabendo de mim

Fui sabendo de mim 
por aquilo que perdia 

pedaços que saíram de mim 
com o mistério de serem poucos 
e valerem só quando os perdia 

fui ficando 
por umbrais 
aquém do passo 
que nunca ousei 

eu vi 
a árvore morta 
e soube que mentia 

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"







Mia couto

Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?

Mia Couto


Mia Couto

Uma única certeza demora em mim: o que em nós já foi menino não envelhecerá nunca.

Mia Couto




Para ti

Foi para ti 
que desfolhei a chuva 
para ti soltei o perfume da terra 
toquei no nada 
e para ti foi tudo 

Para ti criei todas as palavras 
e todas me faltaram 
no minuto em que talhei 
o sabor do sempre 

Para ti dei voz 
às minhas mãos 
abri os gomos do tempo 
assaltei o mundo 
e pensei que tudo estava em nós 
nesse doce engano 
de tudo sermos donos 
sem nada termos 
simplesmente porque era de noite 
e não dormíamos 
eu descia em teu peito 
para me procurar 
e antes que a escuridão 
nos cingisse a cintura 
ficávamos nos olhos 
vivendo de um só 
amando de uma só vida 

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"