É por uma verdade íntima que eu te amo, Estranho.
Porque não há como desobedecer ao amor.
Portanto, eu te amo na penumbra,
Soterrando o sentimento com explicações diversas.
E, a cada dia em que me calo, disfarço e me desfaço
Do que há pulsando vivo aqui.
Mas confranjo o meu coração
Porque estreito o peito.

É de uma verdade crua esse meu amor, Estranho.
E escondo tua existência atrás dos pensamentos
Que para te ter perto
Me atiram longe.

Congelo em silêncio tua imagem,
Mas minimizo rápido o teu sorriso-tela
Como quem mancha os dedos
Na tinta fresca do desejo
E, por medo de uma possível rejeição,
Desfigura toda a aquarela.

Marla de Queiroz

Eu tive que aprender da maneira mais impiedosa o que é amar alguém e o que é não ser amada por alguém. Eu tive aque aprender da maneira mais doída a me doar pra alguém e a se desapegar de alguém. Eu tive que aprender da maneira mais triste que o meu valor era bem superior a qualquer desprezo que eu recebia, eu tive que aprender e confesso que nem tudo ainda sei, mas boa parte do que me entristecia eu me desapeguei. O que quero que você entenda é que as vezes precisamos sim de certos ventos fortes, de certos momentos difíceis , de certas indiferenças pra nos olharmos no espelho e acordar pra vida. De saber que embora a dor que sentimos há uma chance de prosseguirmos, que quando nos desapegamos daquilo que nos tortura, daquilo que anula o nosso sorriso, abrimos portas pra tudo aquilo de novo que vem pela frente, ao qual o Senhor nos preparou.

Se desapegue daquilo que te faz sofrer, e se permita...

Cecilia Sfalsin



A história mais difícil de escrever é a nossa própria, complexa, obscura, inocente ou perversa - bem mais do que são as narrativas ficcionais.
Brinquei muito tempo com a idéia de dizer 'sim' ou 'não' a nós mesmos, aos outros, à vida, como parte essencial dessa escrita de nosso destino - com os naturais intervalos de fatalidade que não se podem evitar, mas têm de ser enfrentados.
Acredito em pegar o touro pelos chifres, mas vezes demais fiquei simplesmente deitada e ele pisoteu o com gosto. Afinal a gente é apenas humano.
Nessa difícil história nossa, dizer 'sim' ao negativo, ao sombrio, em lugar de dizer 'sim' ao bom, ao positivo, é o desafio maior. Pois a questão é saber a hora de pronunciar uma ou outra palavra, de assumir uma ou outra postura.
O risco de errar pode significar inferno ou paraíso.
Também descobri (ou inventei?) isso de existi um ponto cego da perspectiva humana, em que não se enxerga o outro, mas apenas um lado dele: seu olho vazado, sua boca cerrada, seu coração amargo... Sua alma árida, ah... O ponto cego das nossas escolhas vitais é aquele onde a gente pode sempre dizer 'sim' ou 'não', e nossa ambivalência não nos permite enxergar direito o que seria melhor na hora: depressa, agora.
O ponto mais cego é onde a gente não sabe quem disse 'não' primeiro. E todos, ou os dois, deviam naquele momento ter dito 'sim'.
Viver é cada dia se repensar: feliz, infeliz, vitorioso, derrotado, audacioso ou com tanta pena de si mesmo. Não é preciso inventar algo novo. Inventar o real, o que já existe,é conquistá-lo: é o dom dos que não acreditam só no comprovamento, nem se conformam com o rasteiro.
Nosso drama é que às vezes a gente joga fora o certo e recolhe o errado. Da acomodação brotam fantasmas que tomam a si as decisões: quando ficamos cegos não percebemos isso, e deixamos que a oportunidade escape porque tivemos medo de dizer o dificil 'sim'.
O 'não' é também um ponto cego por onde a gente escorre para o escuro da resignação.
O ponto mais cego de todos é onde a gente nunca mais poderá dizer 'sim' para si mesmo. E aí tudo se apaga. Mas com o 'sim' as luzes se acendem e tudo faz sentido.
Dizer 'sim' a si mesmo pode ser mais difícil do que dizer 'não' a uma pessoa amada: é sair da acomodação, pegar qualquer estrada - que pode ser uma palavra, um gesto, ou uma transformação radical, que custe lágrimas e talvez sangue - e sair à luta.
Dizer 'sim' para o que o destino nos oferece significa acreditar que a gente merece algo parecido com crescer, iluminar-se, expandir-se, renovar-se, encontrar-se, e ser feliz.
Isto é: vencer a culpa, sair da sombra e expor-se a todos os riscos implicados, para finalmente assumir a vida.
Fazer suas escolhas, assinar embaixo, pagar os preços...

E não se lamentar demais. Porque programamos o próprio destino a cada vez que, num tímido murmúrio ou num grande grito, a gente diz pra si mesmo: 'SIM'.

Lia Luft



"LAMBUZE-SE DE VIDA"
"Não coma a vida com garfo e faca, lambuze-se.
Muita gente guarda a vida para o futuro.
Mesmo que a vida esteja na geladeira,
se você não a viver, ela se deteriora.
É por isso que muitas pessoas se sentem 
emboloradas na meia-idade.
Elas guardaram a vida, não se entregaram ao amor,
ao trabalho, não ousaram, não foram em frente.
Depois chega um momento em que se conscientizam:
“Puxa, passei fome para guardar batatas
e elas apodreceram”.
Hoje em dia as pessoas orientam sua vidas
baseadas em idéias e métodos que já não tem
relação com a própria existência.
Elas não se alimentam corretamente porque
sentem medo de tudo: de engordar, de emagrecer,
dos agrotóxicos, da contaminação, dos malefícios
para essa ou aquela doença.
Quando se sentam à mesa, afirmam que precisam
comer carne porque contém proteína,
tomar leite porque contém cálcio.
Elas precisam comer isso ou aquilo.
Quase ninguém come sem culpa.
Todo o mundo se alimenta seguindo alguma moda.
O alimento deixou de ser comida
e se transformou em medicamento.
Solte sua alma, seja você.
Tenha consciência de que, se estiver em paz
consigo mesmo, você comerá carne quando tiver
vontade e não porque alguém disse que é bom ou ruim.
Você não come açúcar porque está satisfeito
e não porque ele é tido como nocivo à saúde.
Mergulhe totalmente na vida.
Chupe a laranja e tire todo o caldo.
Quando a morte chegar encontrará somente o bagaço.
Nada do que você deveria desfrutar estará contido
no bagaço, nada do que precisaria viver restará.
Não deixe sua vida ficar muito séria.
Viva como se estivesse num jogo,
saboreie tudo o que conseguir, as derrotas
e as vitórias, a força do amanhecer e
a poesia do anoitecer.
Brinque, mas brinque muito.
A felicidade é feita de muitos sorvetes."



Roberto Shinyashiki