Não há perdão que não traga a cura.
Não há humildade que não rebaixe o orgulho.
Não há simplicidade que não enrugue a vaidade.
Não há beleza interior
que não nuble a beleza externa.
Não há tolerância que não vença a ignorância.
Não há persistência que não atinja um objetivo.
Não há calma que não inferiorize a ira.
Não há paciência que não dissolva a ansiedade.
Não há coragem que não dissolva o medo.
Não há serenidade que não desarme a agressão .
Não há desprendimento
que não ridicularize a avareza.
Não há ambição bem dosada
que não humilhe a ganância.
Não há fé que não vença a rebeldia.
Não há rendição que não cesse a guerra.
Não há silêncio que não quebre a exaltação.
Não há compreensão que não incomode o erro.
Não há verdade que não derrube a mentira.
Há olhos que observam os meus atos
e também os teus :
não há atos que não sejam vistos
nem há pensamentos que não cheguem a Deus. 

Silvia Schmidt


Vivo a catar amor...
Não me iludem os passageiros, os frágeis, os fugazes...

Ando à cata de amor de verdade.
Daquele que brota apesar e por causa, das imperfeições.
Das inadequações.
Do feio...que se faz lindo!
Da surpresa, que acompanha o improvável.
Ando à cata de amor que não se importa com o rótulo.
Tampouco procedência...(isso porque, todo amor bom mesmo, vem de única fonte: Deus)
Amor sem frescura.
Que sabe que gostar vai dar trabalho, canseira.
Mas acha impossível amor sem entrega.
Sem renúncia.
Sem despojamento.
É, ando à cata desse amor meio de bicho...
Que ama, porque é todo amor.
Que não abandona.
Até reclama...choraminga, grita, atribula!
Mas só de alerta...
Só porque insiste, que aquele amor de sonho...
Existe!

Gi Stadnicki. 


"Sociedades se constroem quando os homens concordam sobre coisas grandes. A amizade acontece quando os homens concordam sobre coisas pequenas."

Rubem Alves 


Amor é estado de graça e com amor não se paga.
Nada mais falso do que o ditado popular que afirma que “amor com amor se paga”. O amor não é regido pela lógica das trocas comerciais. Nada te devo. Nada me deves. Como a rosa que floresce porque floresce, eu te amo porque te amo.

Rubem Alves


" Se a verdade pode parecer
perturbadora para quem fala,
é extremamente libertadora
para quem ouve "

Martha Medeiros




Passou o dia pensativa juntando coragem na saliva até encorpar a voz.
Aproveitou o ápice da sua agonia e, num impulso, disse tudo numa sensação só:

“A partir de hoje, não sou mais tua mulher, decidi gostar de outro”.

No início ele riu da ousadia, mas o silêncio que ela fez em seguida preencheu
de sinceridade aquela novidade.

“Você ficou maluca, de onde tirou isso?”

“ É que você nunca gostou de mim no grosso mesmo do sentimento: sempre foi essa coisinha aguada e mal-cuidada, água parada esperando doenças...”

“ Mas ninguém decide que vai gostar de outro de repente e, simplesmente, começa a gostar!”

“ Ah, mas eu decidi. Ele vai realizar um sonho que tenho comigo desde menina:
ele disse que vai gostar de mim bem do jeitinho que eu gosto de você...
A diferença, é que eu sei merecer essas coisas...”

Marla de Queiroz


Egoísmo


Sinto falta de você.
Mas o que sinto falta é de tudo o que é seu e me falta.
Sinto falta de minhas faltas que em você não faltam.
Sinto falta do que eu gostaria de ser e que você já é.
Estranho jeito de carecer, de parecer amor.
Hoje, neste ímpeto de honestidade que me faz dizer,
Eu descobri minhas carências inconfessáveis que insisto em manter veladas.
Acessei o baú de minhas razões inconscientes
E descobri um motivo para não conitnuar mentindo.
Hoje eu quero lhe confessar o meu não amor, mesmo que pareça ser.
Eu não tenho o direito de adentrar o seu território
Com o objetivo de lhe roubar a escritura.
Amor só vale a pena se for para ampliar o que já temos.
Você era melhor antes de mim, e só agora posso ver.
Nessa vida de fachadas tão atraentes e fascinantes;
nestes tempos de retirados e retirantes, seqüestrados e seqüestradores,
A gente corre o risco de não saber exatamente quem somos.
Mas o tempo de saber já chegou.
Não quero mais conviver com meu lado obscuro,
E, por isso, ouso direcionar meus braços
Na direção da dose de honestidade que hoje me cabe.
Hoje quero lhe confessar meu egoísmo.
Quem sabe assim eu possa ainda que por um instante amar você de verdade.
Perdoe-me se meu amor chegou tarde demais,
Se meu querer bem é inoportuno e em hora errada.
É que hoje eu quero lhe confessar meu desatino,
Meu segredo tão desconcertante:
Ao dizer que sinto falta de você
Eu sinto falta é de mim mesmo.

Fábio de Melo


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“Entendi que a vida não tece apenas uma teia de perdas, mas nos proporciona uma sucessão de ganhos. O equilíbrio da balança depende muito do que soubermos e quisermos enxergar”.


 Lya Luft. 


Subir pelo lado que desce


Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce.
Ouvindo esta frase, imaginei qualquer pessoa nessa acrobacia que as crianças fazem ou tentam fazer: escalar aqueles degraus que nos puxam inexoravelmente para baixo. Perigo, loucura, inocência, ou uma boa metáfora do que fazemos diariamente?
Poucas vezes me deram um símbolo tão adequado para a vida, sobretudo naqueles períodos difíceis em que até pensar em sair da cama dá vontade de desistir. Tudo o que quereríamos era taparmos a cabeça e dormirmos, sem pensarmos em nada, fingindo que não estamos nem aí…
Porque Tanatos, isto é, a voz do poço e da morte, nos convoca a cada minuto para que, enfim, nos entreguemos e acomodemos. Só que acomodar-se é abrir a porta a tudo aquilo que nos faz cúmplices do negativo. Descansaremos, sim, mas tornando-nos filhos do tédio e amantes da pusilanimidade, personagens do teatro daqueles que constantemente desperdiçam os seus próprios talentos e dificultam a vida dos outros.
E o desperdício da nossa vida, talentos e oportunidades é o único débito que no final não se poderá saldar: estaremos no arquivo-morto.
Não que não tenhamos vontade ou motivos para desistir: corrupção, violência, drogas, doença, problemas no emprego, dramas na família, buracos na alma, solidão no casamento a que também nos acomodamos… tudo isso nos sufoca. Sobretudo, se pertencermos ao grupo cujo lema é: Pensar, nem pensar… e a vida que se lixe.
A escada rolante chama-nos para o fundo: não dou mais um passo, não luto, não me sacrifico mais. Para quê mudar, se a maior parte das pessoas nem pensa nisso e vive da mesma maneira, e da mesma maneira vai morrer?
Não vive (nem morrerá) da mesma maneira. Porque só nessa batalha consigo mesmo, percebendo engodos e superando barreiras, podemos também saborear a vida. Que até nos surpreende quando não se esperava, oferecendo-nos novos caminhos e novos desafios.
Mesmo que pareça quase uma condenação, a ideia de que viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce é que nos permite sentir que afinal não somos assim tão insignificantes e tão incapazes.
Então, vamos à escada rolante: aqui e ali até conseguimos saltar degraus de dois em dois, como quando éramos crianças e muito mais livres, mais ousados e mais interessantes.

E porque não? Na pior das hipóteses, caímos, magoamo-nos por dentro e por fora, e podemos ainda uma vez… recomeçar.

Lya Luft





Fomos fonte depois fomes e declínio. 
Fomos fortes depois fracos e distantes. 
Fomos brasa depois brigas: ascensão do breu.
Fomos indo para longe de nós mesmos. 
Fomos findos, fomos luz que não ascendeu.

Marla de Queiroz


"Dormir com alguém é a intimidade maior. Não é fazer amor. Dormir, isso é que é íntimo. Um homem dorme nos braços de uma mulher e a sua alma se transfere de vez."

Mia Couto



Esqueça a parte da expressão que diz 'mora longe'. Gente bacana mora dentro. Tem lugar cativo no peito, único e exclusivamente reservado, independentemente de distância. Quem cativa nunca é ausente. Entra sem pedir licença e não arreda o pé. Não dá um passo sem pegar carona em nosso pensamento."



Fernanda Gaona


Aprender a esperar

Um dos maiores desafios para o ser humano é aprender a aceitar o tempo da existência para o alcance de seus objetivos. Geralmente, o ego nos leva a querer materializar nossas metas de maneira imediata, sejam elas quais forem. Entretanto, a vida se encarrega de nos fazer entender que, na maior parte das vezes, nosso agir não é direcionado pela sensatez, a maturidade e a confiança.

Ao contrário, é guiado pela ansiedade, a angústia e a impaciência. Quanto mais vemos frustrados nossos desejos, mais facilmente corremos o risco de nos entregar ao desânimo, à depressão e ao sentimento de vítimas do destino.

Entretanto, se conseguirmos mudar nossa maneira de enxergar a dinâmica da vida, teremos a oportunidade de aprender importantes lições. Não alcançar a realização de uma determinada meta pode se revelar uma bênção, uma vez que nem todos possuem a sabedoria necessária para saber do que necessitam para serem felizes.

Este aprendizado só se torna possível para os que já alcançaram algum grau de consciência, e conseguem perceber, a cada momento, qual o propósito da existência ao colocar em seu caminho um determinado obstáculo.

Visto que o crescimento só acontece nos momentos desafiadores, se estivermos plenamente atentos, seremos capazes de saber em cada um deles, qual a lição que aquela circunstância pretende nos ensinar.

Assim, ao invés das queixas, poderemos ofertar à vida, um profundo sentimento de gratidão.

"Não há céu e não existe inferno. Eles não são geográficos, eles são parte de sua psicologia. Eles são psicológicos. Viver uma vida de espontaneidade, verdade, amor e beleza é viver no céu. Viver uma vida de hipocrisia, mentiras e compromissos, para viver de acordo com os outros, é viver no inferno. Viver em liberdade é o céu, e viver na escravidão é o inferno.

.... A minha ideia de céu não é sobrenatural. O céu é aqui - você apenas tem que saber como vivê-lo. E o inferno também está aqui, e você sabe muito bem como vivê-lo. É apenas uma questão de mudar sua perspectiva, a sua abordagem em relação à vida.

A terra é linda. Se você começar a viver a sua beleza, apreciando suas alegrias sem culpa em seu coração, você está no paraíso. Se você condena tudo, cada pequena alegria, se você se tornar um condenador, um envenenador, então a terra mesmo se transforma em um inferno - mas só para você. Depende de onde você mora, é uma questão de sua própria transformação interior. Não é uma mudança de lugar, é uma mudança de espaço interior.

Viva com alegria, sem culpa, viva totalmente, viva intensamente. E então o céu não é mais um conceito metafísico, é sua própria experiência."


Osho



"Viver uma verdadeira experiência amorosa é um dos maiores prazeres da vida. Gostar é sentir com a alma, mas expressar os sentimentos depende das idéias de cada um. Condicionamos o amor às nossas necessidades neuróticas e acabamos com ele. Vivemos uma vida tentando fazer com que os outros se responsabilizem pelas nossas necessidades enquanto nós nos abandonamos irresponsavelmente.

Queremos ser amados e não nos amamos, queremos ser compreendidos e não nos compreendemos, queremos o apoio dos outros e damos o nosso a eles. Quando nos abandonamos, queremos achar alguém que venha a preencher o buraco que nós cavamos. A insatisfação, o vazio interior se transformam na busca contínua de novos relacionamentos, cujos resultados frustrantes se repetirão.

Cada um é o único responsável pelas suas próprias necessidades. Só quem se ama pode encontrar em sua vida Um Amor de Verdade!!!"

Zíbia Gasparetto







Momentos Gabriel García Marquez

O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança.

 Tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não são os amores felizes mas os contrariados.

Era ainda jovem demais para saber que a memória do coração elimina as más lembranças e enaltece as boas e que graças a este artifício conseguimos suportar o passado.

Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados..."

Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza

Lembre-se, é fácil esquecer para quem tem memória..
Difícil esquecer para quem tem coração...


"É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós, onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. O importante é aproveitar o momento e aprender sua duração, pois a vida está nos olhos de quem saber ver."

Gabriel García Marquez





 Eu vou morar em você...
_ Em mim? Mas essa casa precisa de tantas reformas!
_ Mas enquanto você dormia eu fiz um “puxadinho” aí dentro!
_ E a gente vai viver de quê?
_ De arredondar palavras...

( Mais tarde, deitada em cima das costas dele):

_ O que você está fazendo aí em cima ???
_ Estou tomando sol na laje!

Marla de Queiroz






Eu me torno emocionalmente saudável quando consigo desconstruir todas as tolices sobre amores salva-vidas e jogar a ideia surreal do príncipe encantado no lixo. Eu me torno emocionalmente saudável quando acredito que namorar deve ser leve mesmo quando intenso, e divertido mesmo quando há um sério comprometimento. Eu me torno emocionalmente saudável quando o que me ocupa é a minha vida e não a reação que tenho ao comportamento alheio. Eu me torno emocionalmente saudável quando percebo que determinada história não me abrange, me deixa inadequada, fere a minha autoestima e sinto que isto é o suficiente para eu tentar ser feliz e me abrir para outras possibilidades. Eu me torno emocionalmente saudável quando escolho os meus parceiros pelo que me agregam de luz e crescimento, não pelo desafio que me trazem quando se mostram emocionalmente indisponíveis ou abertos para viverem outras relações que não a nossa. Eu me torno emocionalmente saudável quando me permito ficar sozinha até atrair um alguém que esteja disposto a trocar, desbravar paisagens juntos, que esteja inteiro no lugar que escolheu. Eu me torno emocionalmente saudável quando, estar ou não estar com alguém sexo-afetivamente, não se torna a prioridade da minha vida, mas somente um dos meus desejos. Eu me torno emocionalmente saudável quando aprendo a dar nome aos meus sentimentos: e não confundo posse com excitação, dependência com paixão, rejeição com confusão alheia...

Eu me torno emocionalmente saudável quando dou amor, não carência.

Livrai-me do que desbota a minha lucidez e da alienação de achar que a felicidade está no Outro e não em mim. Que seja assim.

Marla de Queiroz



Dentro do abraço

Onde é que você gostaria de estar agora, nesse exato momento?
Fico pensando nos lugares paradisíacos onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, em diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema assistindo à estreia de um filme muito esperado e, principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas consegue superar – a intimidade da gente é irreproduzível.
Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco, numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congestionado, numa cadeira de dentista.
E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?
Meu palpite: dentro de um abraço.
Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de
um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.
Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém contratado?
Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.
O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.
Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde à beira mar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?
Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste.

Martha Medeiros




Vende-se Tudo



No mural do colégio da minha filha encontrei um cartaz escrito por uma mãe, avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a família voltaria a morar nos Estados Unidos. O cartaz dava o endereço do bazar e o horário de atendimento. Uma outra mãe, ao meu lado, comentou:
- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.

- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.
Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar, aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.

Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido comentar que ali estava se vendendo uma estante. Eu convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se iam meus móveis e minhas bugigangas.

Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu. No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a tevê. No último, só com o colchão, que o zelador comprou e, compreensivo, topou esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os travesseiros.

Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material.
Nunca mais me apeguei a nada que não tivesse valor afetivo.

Deixei de lado o zelo excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para se amar. Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que torna-se cada vez mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes, não importa o tempo que estiveram presentes na minha vida.
Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos Estados Unidos a mesma emoção que tive na minha última noite no Chile.

Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito frio. Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manhã, já que não tínhamos nem uma xícara em casa.
Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde.

Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza:
"só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir,"é melhor refletir e começar a trabalhar o DESAPEGO JÁ!

Não são as coisas que possuímos ou compramos que representam riqueza, plenitude e felicidade.
São os momentos especiais que não tem preço, as pessoas que estão próximas da gente e que nos amam, a saúde, os amigos que escolhemos, a nossa paz de espírito.

Felicidade não é o destino e sim a viagem.

Martha Medeiros




Deslição de Anatomia

Quase fui médico.
Cedo acreditei
ter inclinação.
Aconteceu, em menino,
frente aos compêndios escolares.
Fascinava-me,
no corpo humano,
o vocabulário em flor:
o suco gástrico,
o bolo alimentar,
o trânsito intestinal,
as papilas gustativas.

Ante o meu prematuro pasmo,
a professora vaticinou: vai ser médico!
Em casa, porém,
meu pai diagnosticou diverso:
não era a anatomia que me atraía.

Eu apenas amava as palavras.

Meu pai adivinhava.
E eu, de poesia, adoecia.

Mia Couto 




"Cartas de amor são escritas não para dar notícias, não para contar nada, mas para que mãos separadas se toquem ao tocarem a mesma folha de papel."

Rubem Alves


De tudo ficaram três coisas...
A certeza de que estamos começando...
A certeza de que é preciso continuar...
A certeza de que podemos ser interrompidos

antes de terminar...

Façamos da interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro!

Fernando Sabino


Do que pôde ser visto, do que pôde ser tocado, do que pôde ser sentido, do que foi vivenciado, disto é feito a eternidade diária, a felicidade transitória, a tristeza passageira, o agora. Mesmo quando o dia findo, a noite ida, a madrugada vindo, um recomeçar à espreita que, no fundo, é só continuação. A narrativa pode ser refeita mesmo quando as palavras não. Troque a disposição das tuas frases, descubra o sinônimo mais adequado, ponha força no pensamento que te representa e beneficia... Experimente com inteireza cada estação do ano até que se possa estar cada vez mais presente em cada estação do dia.

Seja tão você até que ser tão feliz seja uma coisa só.

Marla de Queiroz




"Alguns procurariam nos supermercados, como item de necessidade básica. Outros procurariam em perfumarias, como item para ocasiões especiais. Há ainda os que buscariam em lojas de roupas, como item para melhorar a aparência. Enquanto outros arriscariam as farmácias, tentando encontrar, enfim, o remédio para suas dores ou a cura para suas doenças.

Parece piada, mas infelizmente é verdade que muitas pessoas ainda acreditam que é possível encontrar um "grande amor" prontinho para ser consumido. E se iludem com essa possibilidade, desperdiçando a chance incrível de encontrar suas próprias ferramentas.
Não se empenham em inverter o olhar. Insistem em continuar olhando para fora. Onde não há respostas. Pelo menos não as certas. Não as delas. E para completar o quadro de fracasso e frustração, insistem também em se lamentar da falta de sorte ou de um mundo que não se alinha aos seus valores - mais nobres, elas querem dizer.

Que pena! Perdem a incrível chance de arrancar, de uma vez por todas, essa máscara de vítima ou de quem não se importa. Desperdiçam a fantástica oportunidade de abrir suas portas e janelas, abrir sua mente e seu coração, e simplesmente deixar a luz entrar. Acender-se. Enfim, enxergar-se!

E feito repetições de regras, comportamentos e desejos que não são seus, elas continuam procurando amores prontos. Chegam a apostar que vão encontrar algum sob medida. Feito especialmente para elas. Como se ao menos soubessem quais são as suas próprias medidas.

Não sabem! Não se sabem sob os ângulos mais importantes. Porque se ver dá trabalho. Pede ajustes. Requer um olhar acolhedor e justo. É preciso ter amor. Por si, pelo outro e pela vida. Sim, dá mesmo trabalho. Não é fácil. Mas é simples, como sempre digo. Quanto mais simplificamos, mais fácil se torna.

O problema é que a maioria prefere o complicado. O difícil mesmo. Alguns até se encantam pelo impossível. Sabe qual o nome para esta dinâmica? Sabotagem! E contra si mesmo! Ama quem está longe! Ama quem está comprometido! Ama quem não quer saber de amor! Ama a história que não vai rolar! E assim o ciclo se repete!

Mas o pior é que tais pessoas continuam procurando fora, como se existissem mesmo prateleiras expondo amores à venda. E o que eu mais queria era ser capaz de fazê-las entender que o caminho é o de dentro. E que um grande amor não é resultado de uma busca insana e desconecta. É consequência de um encontro leve e absolutamente essencial, mas que acontece primeiro consigo mesmo e com sua noção de merecimento!"

Rosana Braga